Por que os medicamentos não funcionam?
- Lincoln Cardoso

- 15 de jul.
- 3 min de leitura
Por que os medicamentos não funcionam? Essa é uma pergunta que intriga muitos farmacêuticos, outros profissionais da saúde e também pacientes. Em um cenário onde o acesso aos medicamentos tem aumentado, é paradoxal observar que muitos tratamentos ainda falham em alcançar os resultados esperados. Seria culpa do medicamento em si? Do diagnóstico ou da prescrição? Ou do paciente, que não segue corretamente as orientações prescritas? A verdade é que a resposta é multifatorial e inclui, em destaque, os Problemas Relacionados ao Uso dos Medicamentos (PRM).
Identificar PRM é um dos objetivos do cuidado farmacêutico. É pelo serviço farmacêutico denominado “acompanhamento farmacoterapêutico” que o profissional pode identificar e manejar PRM. Entre os PRM possíveis, ocorrem aqueles relacionados à efetividade da farmacoterapia. Nestes casos, um ou mais medicamentos usados pelo paciente não cumprem os objetivos terapêuticos estabelecidos.
Os PRM relacionados à efetividade podem ser “quantitativos” ou “não quantitativos”. No primeiro tipo, a inefetividade está relacionada a uma dose inferior àquela realmente necessária para o paciente. Em outras palavras, o paciente não recebe a quantidade necessária de medicamento para atingir os objetivos terapêuticos. Na segunda condição – PRm não quantitativo – a inefetividade pode estar relacionada com a escolha equivocada do medicamento, considerando o diagnóstico estabelecido. Ou ainda, a fatores biológicos de variabilidade terapêutica, que incluem diferenças fisiológicas e farmacocinéticas – ambas moduladas por fatores genéticos – que afetam a resposta individual aos medicamentos. Esses aspectos explicam, em grande parte, por que um mesmo medicamento pode funcionar para algumas pessoas, e falhar para outras.
Então, por que os medicamentos não funcionam?
Os fatores de variabilidade terapêutica incluem características relacionadas ao paciente que podem influenciar na forma como os medicamentos agem. Muitas vezes, estes fatores comprometem a efetividade farmacológica e o sucesso terapêutico. Mesmo em doses usuais, muitos medicamentos podem ter o seu efeito influenciado por estes fatores durante o curso do tratamento. Por esta razão, o acompanhamento farmacoterapêutico é de grande utilidade na identificação e no manejo destes problemas.
O peso e a composição corporal constituem em importante fator de variabilidade farmacocinética de resultados terapêuticos. Pacientes com sobrepeso podem ter o volume de distribuição de certos fármacos aumentado. Isto reduz a sua concentração no sítio de ação e, consequentemente, compromete a resposta farmacológica.
A idade é outro importante fator de variabilidade terapêutica. Pacientes idosos podem apresentar algum nível de comprometimento hepático. Nesta condição, a taxa de metabolização de fármacos pode ser reduzida, ampliando a possibilidade de reações adversas. Ajustes de doses, portanto, são necessárias em casos como este.
Ajustes de doses também podem ser necessários em pacientes geriátricos com insuficiência renal aguda. Estes pacientes podem apresentar redução da taxa de filtração glomerular, comprometendo a excreção de fármacos.
Por outro lado, algumas pessoas podem apresentar características genéticas que induzem à “resistência adquirida” a fármacos. Estas pessoas desenvolvem células resistentes a um determinado fármaco e, por consequência, não respondem de forma efetiva a este tratamento. Devido ao caráter genético desta variabilidade terapêutica, trata-se de condição extremamente difícil de ser identificada na prática clínica diária. Dados indicam que os fatores genéticos podem ser responsáveis por 20% a 90% da variabilidade da biodisponibilidade e dos efeitos terapêuticos dos medicamentos. No processo farmacocinético, os fármacos são submetidos às etapas de absorção, distribuição, metabolização e excreção. E cada uma destas etapas pode ser influenciada por fatores genéticos de relevância clínica. Alterações estruturais e funcionais em genes que codificam enzimas metabolizadoras, transportadores de fármacos ou biorreceptores estão relacionadas com variações na depuração (clearance) dos fármacos e, por conseguinte, na sua resposta terapêutica.
A adesão ao tratamento, e o modo como os pacientes utilizam seus medicamentos, também influenciam de forma significativa a efetividade terapêutica. E explicam, em parte, porque os medicamentos não funcionam. Estudos demonstram que apenas cerca de 34% dos pacientes apresentem um bom nível de conhecimento sobre os medicamentos que utilizam nos seus tratamentos. A orientação farmacêutica e o manejo de PRMs durante o acompanhamento farmacoterapêutico contribuem de forma significativa para o sucesso da farmacoterapia. O cuidado farmacêutico é, sem sombra de dúvidas, uma prática de grande contribuição para o alcance das metas terapêuticas. Entretanto, o cuidado farmacêutico deve ser realizado de forma compartilhada com o paciente. O seu esclarecimento e orientação promovem a adesão ao tratamento e a utilização correta dos medicamentos. A avaliação farmacêutica do paciente e de suas condições clínicas permite ao profissional identificar e manejar fatores de variabilidade terapêutica e promover o sucesso da farmacoterapia.
Esta atuação proativa, com foco nas necessidades dos pacientes, promove a saúde coletiva e o uso racional dos medicamentos. Bem como é uma boa prática para a valorização e o reconhecimento profissional do farmacêutico.



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