O farmacêutico pode determinar o sucesso ou o fracasso de um tratamento fitoterápico. Este profissional é, sem dúvida, o mais próximo, e também o que mais se relaciona diretamente com a Fitoterapia. Afinal, a profissão de Farmácia teve o seu início a partir do conhecimento das plantas medicinais e da preparação de produtos terapêuticos com base em matérias-primas de origem natural. Ainda hoje, o farmacêutico é o único profissional que estuda Farmacobotânica e Farmacognosia na sua formação. Áreas estas, das Ciências Farmacêuticas, que investigam as propriedades físicas, físico-químicas, químicas e biológicas das plantas medicinais e drogas vegetais.
A Fitoterapia tem se consolidado como uma modalidade terapêutica racional e baseada em evidências, sendo cada vez mais adotada por profissionais da saúde e pela população em geral. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 80% da população mundial utiliza produtos fitoterápicos como parte dos cuidados primários de saúde. No Brasil, um levantamento do Conselho Federal de Farmácia (CFF) apontou que aproximadamente 60% dos brasileiros recorrem a plantas medicinais ou fitoterápicos para tratar doenças comuns, como distúrbios digestivos, ansiedade e inflamações leves.
O reconhecimento da Fitoterapia como ciência avançou significativamente nos últimos anos. Hoje, muitos médicos, farmacêuticos, nutricionistas e outros profissionais da saúde integram fitoterápicos em suas práticas clínicas, considerando evidências científicas sobre eficácia e segurança. No Brasil, o Ministério da Saúde incorporou medicamentos fitoterápicos na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME). E, por meio do programa Farmácias Vivas, promove o acesso seguro e gratuito a esses produtos terapêuticos naturais no Sistema Único de Saúde (SUS).
Os impactos positivos da Fitoterapia sobre a saúde são amplamente documentados. Estudos mostram que o uso adequado e racional de fitoterápicos pode contribuir para a prevenção e o tratamento complementar de doenças crônicas, como dislipidemia, hipertensão, diabetes e distúrbios do sono. Evidências indicam que plantas medicinais e fitoterápicos podem modular de forma positiva o sistema imunológico, bem como exercer efeitos antioxidante e anti-inflamatório. E também são reportados efeitos benéficos sobre os sistemas respiratório, geniturinário, gastrintestinal e até mesmo em condições reumáticas. São muitas as aplicações clínicas das plantas medicinais e dos fitoterápicos. O que motiva cada vez mais pesquisadores a investigarem novas opções terapêuticas a partir desses recursos naturais.
A planta medicinal conhecida como ginco, cuja espécie botânica é Ginkgo biloba L., da família Ginkgoaceae, é uma das mais empregadas na Fitoterapia contemporânea, em todo o mundo. De origem oriental, essa espécie é amplamente utilizada na forma de medicamentos fitoterápicos, geralmente em cápsulas ou comprimidos, contendo um extrato seco padronizado ou quantificado das suas folhas. Esse fitoterápico é indicado para distúrbios das funções do sistema nervoso central (SNC), como vertigens e zumbidos, resultantes de distúrbios circulatórios periféricos, como claudicação intermitente, e insuficiência vascular cerebral. Evidências indicam seus possíveis efeitos sobre a cognição e a memória, o que requer estudos mais consistentes que justifiquem essas aplicações.
A cúrcuma, planta medicinal também chamada de açafrão, açafrão-da-terra e falso-açafrão, é outro fitoterápico bastante difundido, com base em muitas evidências científicas. A sua espécie botânica é Curcuma longa L., e pertence à família Zingiberaceae. A parte usada são os seus rizomas secos, que devem conter substâncias fitoquímicas bioativas, derivadas do dicinamoilmetano, chamadas de curcuminoides, dos quais o composto majoritário é a curcumina. Esses curcuminoides exercem efeitos digestivo, antioxidante, anti-inflamatório e imunomodulador. Na prática clínica, esse fitoterápico é amplamente indicado e adotado para o tratamento da osteoartrite e da artrite reumatoide.
Especialistas defendem que, devido aos seus constituintes químicos naturais, as plantas medicinais e os fitoterápicos apresentam menor toxicidade e melhor aceitação pelo organismo humano, em comparação aos medicamentos sintéticos. No entanto, para que a Fitoterapia seja exercida de forma segura e eficaz, é essencial que a sua prática ocorra por profissionais da saúde habilitados e devidamente capacitados. O desconhecimento sobre a correta identificação botânica das plantas medicinais, suas interações medicamentosas e os riscos do uso inadequado podem comprometer os benefícios esperados. Assim, a regulamentação e a formação continuada dos profissionais são fundamentais para garantir que essa terapia seja exercida com responsabilidade, segurança e eficácia.
A atitude primordial para a prática da Fitoterapia de forma racional, com qualidade e total foco na saúde do paciente, é entender o seu fundamento básico e as suas aplicações. A Fitoterapia é uma modalidade terapêutica pela qual se emprega plantas medicinais, drogas vegetais e fitoterápicos na prevenção e no tratamento de doenças, bem como para a melhora da qualidade de vida. Nesse sentido, a Fitoterapia racional deve ser praticada com base em evidências científicas, e não apenas sustentada pelo conhecimento popular do uso das plantas para fins terapêuticos. O farmacêutico deve assumir a responsabilidade plena pela Fitoterapia, no sentido de prover fitoterápicos seguros e eficazes, bem como racionalizar a sua prática, buscando garantir o alcance das metas terapêuticas. E, para melhor exercer a Fitoterapia, e garantir fitoterápicos de qualidade, é importante conhecer e aplicar alguns conceitos fundamentais:
· Planta medicinal: é a espécie vegetal, cultivada ou não, utilizada com propósitos terapêuticos e profiláticos. Pode ser usada para algumas preparações caseiras e extemporâneas, como infusos, decoctos, macerados e emplastros. E também são empregadas no preparo das drogas vegetais e obtenção de produtos derivados.
· Droga vegetal: é a planta medicinal inteira, ou suas partes, geralmente seca, não processada, e que pode estar íntegra ou fragmentada. Também são considerados drogas os produtos vegetais derivados da planta medicinal, como os exsudatos que incluem as gomas, resinas, mucilagens, látex e ceras, desde que não sejam submetidos a algum tipo de processamento farmacêutico específico. As drogas vegetais constituídas pelas partes secas das plantas medicinais são os produtos mais usados no preparo dos chás medicinais de uso extemporâneo, principalmente nas formas de infuso e decocto.
· Derivado vegetal: produto preparado ou obtido por processos farmacotécnicos a partir de plantas medicinais frescas ou drogas vegetais secas, como os extratos fluidos, as tinturas e os óleos essenciais.
· Fitoterápico: produto terapêutico obtido ou preparado exclusivamente a partir de matéria-prima ativa de origem vegetal – que pode ser a planta medicinal, a droga vegetal ou um derivado vegetal – sem conter substâncias bioativas isoladas na sua composição, podendo apresentar finalidade profilática, curativa ou paliativa. A segurança e a eficácia dos fitoterápicos devem ser baseadas em evidências científicas. E os fitoterápicos devem apresentar reprodutibilidade da sua qualidade.
Índices de mercado apontam o expressivo crescimento da Fitoterapia e, por conseguinte, do consumo de fitoterápicos. Dados indicam um aumento em torno de 12% ao ano, nos últimos dez anos. De modo que os fitoterápicos correspondem a cerca de 6% do faturamento total de medicamentos industrializados no Brasil.
O farmacêutico desempenha uma função estratégica na promoção da fitoterapia racional, nos diferentes níveis da assistência farmacêutica e do cuidado ao paciente. Seja no SUS, ou em farmácias comunitárias e demais estabelecimentos de saúde da iniciativa privada. Isso inclui atitude responsável na correta identificação botânica das espécies vegetais medicinais, a manipulação ou fabricação dos fitoterápicos, a dispensação, bem como a orientação quanto ao uso correto e racional das plantas medicinais, drogas vegetais e fitoterápicos. O farmacêutico exerce também um papel relevante no acompanhamento clínico da Fitoterapia, e até mesmo na prescrição de plantas medicinais e fitoterápicos no manejo de problemas de saúde autolimitados.
Mas as plantas medicinais e os fitoterápicos também podem causar reações adversas. E muitos deles interagem com outros medicamentos de origem sintética, podendo comprometer o tratamento e trazer riscos relevantes à saúde dos pacientes. Nesse contexto, o farmacêutico é o profissional mais acessível e capacitado para prover o devido cuidado e otimizar os resultados terapêuticos na prática da Fitoterapia. Os conhecimentos integrados de Farmacobotânica, Farmacognosia, Fitoquímica e Fitoterapia Clínica, aliados a habilidades e competências clínicas, fazem do farmacêutico um profissional completo para atuar em todos os níveis da Fitoterapia.
Para ser bem sucedido na Fitoterapia, e entregar a sua plena contribuição para a sociedade nesse campo, o farmacêutico deve assumir uma atitude responsável e proativa. E assim, aplicar seus vastos conhecimentos na identificação das necessidades das pessoas e prover soluções seguras e eficazes. Cabe ao farmacêutico avaliar se os fitoterápicos em uso estão adequados às necessidades clínicas dos pacientes, e se a sua utilização está devidamente baseada em evidências científicas. Também, verificar se as formas farmacêuticas fitoterápicas estão em conformidade com as boas práticas de fabricação ou manipulação. Se contam com os teores adequados de marcadores fitoquímicos e se apresentam propriedades biofarmacêuticas e farmacocinéticas satisfatórias para a atividade terapêutica esperada. Também deve ser compromisso desse profissional monitorar os resultados terapêuticos alcançados, principalmente em pacientes idosos, polimedicados ou acometidos por doenças crônicas, como doença cardiovascular, diabetes, dislipidemia, hipertensão arterial sistêmica, câncer, entre outras. Para estes pacientes, é imprescindível o rastreamento de reações adversas aos fitoterápicos e de possíveis interações com outros medicamentos ou quimioterápicos.
Para assumir essa postura proativa, e de atitude responsável, o farmacêutico deve desenvolver as suas habilidades e competências no campo da Farmacologia de produtos naturais, mais especificamente, a Fitofarmacologia. E também em métodos de cuidado que englobem protocolos clínicos para a prescrição de fitoterápicos, além de ferramentas específicas para o acompanhamento farmacoterapêutico. Este é o perfil do farmacêutico verdadeiramente comprometido com a saúde e com a qualidade de vida das pessoas que se tratam pela Fitoterapia.
Por Lincoln Cardoso, farmacêutico e professor.
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